Neste artigo vamos tratar desse tema que causa discussão no direito penal, especialmente no tocante a aplicação da pena.
Será possível o Magistrado, proferir uma sentença com regime inicial de cumprimento da pena mais grave do que aquele estabelecido pela legislação, conforme determina o art. 33 do Código Penal?
O Código Penal ao tratar dos regimes para o cumprimento das pena, apresenta de forma expressa qual o regime para início de cumprimento de pena com base na pena efetivamente aplicada pelo magistrado.
A regra está insculpida no art. 33, § 2º, do Código Penal:
§ 2º - As penas privativas de liberdade deverão ser executadas em forma progressiva, segundo o mérito do condenado, observados os seguintes critérios e ressalvadas as hipóteses de transferência a regime mais rigoroso: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
a) o condenado a pena superior a 8 (oito) anos deverá começar a cumpri-la em regime fechado;
b) o condenado não reincidente, cuja pena seja superior a 4 (quatro) anos e não exceda a 8 (oito), poderá, desde o princípio, cumpri-la em regime semi-aberto;
c) o condenado não reincidente, cuja pena seja igual ou inferior a 4 (quatro) anos, poderá, desde o início, cumpri-la em regime aberto.
LEIA MAIS:
Como fica claro, a legislação estabelece sistema progressivo com base na pena efetivamente aplicada, para que o juiz fixe o regime inicial de cumprimento da pena.
Contudo, a questão levantada no início é justamente essa, o magistrado deve seguir a regra legal em todos os casos ou é possível que ele fixe regime inicial de pena mais rigoroso do que a lei autoriza?
Por exemplo, o acusado foi condenado a pena de 3 anos e 8 meses, não sendo reincidente, o magistrado obrigatoriamente deverá fixar o regime aberto (regime determinado pela lei com base no art. 33, § 2º, “c” ), ou poderá fixar regime mais grave, como o semiaberto.
A resposta para essa situação é SIM! O juiz pode fixar regime inicial de cumprimento de pena mais grave do que o previsto no art. 33 do Código Penal.
Contudo, para que isso ocorra na prática, deve o magistrado sempre fundamentar a sua decisão em fatos concretos, não podendo considerar para a aplicação de regime prisional mais grave, a periculosidade abstrata do crime.
Neste sentido, Nucci afirma:
"A gravidade abstrata do crime, por si só, não é motivo para estabelecer o regime fechado. A eleição do regime inicial de cumprimento da pena obedece aos mesmos critérios do art. 59, conforme determinação expressa do § 3.º do art. 33. Afinal, o regime de cumprimento da pena está intrinsecamente ligado ao sentenciado e suas condições pessoais. Portanto, ilustrando, se o réu é reincidente, pode-se falar em regime fechado para iniciar o cumprimento. Mas, somente pelo fato de ter cometido um roubo, crime abstratamente grave, não significa que deva o regime ser o fechado”.
A Jurisprudência tem fixado como requisitos para aplicação de um regime mais severo as circunstâncias judiciais previstas no art. 59 do Código Penal, ou seja, para casos em que na primeira fase a aplicação da pena não saia do mínimo, a princípio não pode ser aplicado regime mais grave.
A reincidência também é um balizador para que seja aplicado um regime inicial de cumprimento de pena mais rigoroso do que o previsto na legislação.
Por fim, a jurisprudência tem fixado também a gravidade do delito para aplicação de regime prisional mais grave, mas veja, GRAVIDADE CONCRETA, não devendo tal situação ser pautada pela opinião pessoal do magistrado, desprovida de elementos nos autos.
Neste sentido, inclusive, a matéria se encontra sumulada no Superior Tribunal de Justiça no enunciado 440:
Fixada a pena-base no mínimo legal, é vedado o estabelecimento de regime prisional mais gravoso do que o cabível em razão da sanção imposta, com base apenas na gravidade abstrata do delito.
A matéria também é objeto de súmulas do Supremo Tribunal Federal nos enunciados 718 e 719 que citamos na sequência:
Súmula 718. A opinião do julgador sobre a gravidade em abstrato do crime não constitui motivação idônea para a imposição de regime mais severo do que o permitido segundo a pena aplicada.
Súmula 719. A imposição do regime de cumprimento mais severo do que a pena aplicada permitir exige motivação idônea.
Para finalizar a discussão, destacamos o voto esclarecedor do Ministro Felix Fischer no HABEAS CORPUS 2020/0176083-4:
HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. NÃO CABIMENTO. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. PENA INFERIOR A 04 (QUATRO) ANOS DE RECLUSÃO. REGIME SEMIABERTO FIXADO COM BASE NA GRAVIDADE ABSTRATA DO DELITO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. I - A Terceira Seção desta Corte, seguindo entendimento firmado pela Primeira Turma do col. Pretório Excelso, firmou orientação no sentido de não admitir a impetração de habeas corpus em substituição ao recurso adequado, situação que implica o não conhecimento da impetração, ressalvados casos excepcionais em que, configurada flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, seja possível a concessão da ordem de ofício. II - Em relação ao regime inicial de cumprimento de pena, conforme o disposto no artigo 33, parágrafo 3º, do Código Penal, a sua fixação pressupõe a análise do quantum da pena, bem como das circunstâncias judiciais previstas no artigo 59 do mesmo diploma legal. Dessa forma, para o estabelecimento de regime de cumprimento de pena mais gravoso, é necessária fundamentação específica, com base em elementos concretos extraídos dos autos. III - Na hipótese, o regime mais gravoso foi determinado com base em considerações vagas e genéricas relativas à gravidade abstrata do crime, sem remissão às peculiaridades fáticas do delito, em evidente afronta aos enunciados das Súmulas n. 718 e n. 719 do Supremo Tribunal Federal e Súmula n. 440 desta Corte Superior. IV - Considerando a primariedade do paciente e o quantum de pena estabelecido, bem como a inexistência de circunstâncias judiciais desfavoráveis, forçoso concluir que faz jus ao regime aberto, para início de cumprimento de pena, ex vi do art. 33, § 2º, alínea c, e § 3º, do Estatuto Penal e das Súmulas n. 718 e n. 719 do Supremo Tribunal Federal e Súmula n. 440 desta Corte Superior. V - Preenchidos os requisitos do art. 44 do Código Penal, quais sejam, pena não superior à 4 (quatro) anos, o crime não foi cometido com violência ou grave ameaça à pessoa, réu não reincidente e circunstâncias judiciais favoráveis, o paciente faz jus à substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, em moldes a serem especificados pelo Juízo da Execução Penal. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício. (HC 597901 / SP, HABEAS CORPUS 2020/0176083-4, Ministro FELIX FISCHER, T5 - QUINTA TURMA, DJe 08/02/2021).
Assim, resta claro que é possível o magistrado fixar regime inicial de cumprimento de pena mais grave do que aquele previsto no art. 33 do Código Penal
Contudo, resta claro também, que essa decisão deve ser sempre motivada em fatos concretos constantes nos autos, não podendo o magistrado tomar tal atitude com avaliação pessoal acerca da gravidade do delito, muito menos com base na gravidade abstrata do crime.
Quer receber em primeira mão nossas atualizações direto no seu e-mail? CLIQUE AQUI para se cadastrar.
Não mandamos spam e você pode sair da lista quando quiser.
LUIZ RICARDO FLÔRES é Advogado Criminalista, formado em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI); inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil - Seccional de Santa Catarina - sob o n. 23.544; Pós-Graduado pela Universidade Cândido Mendes em Direito Penal e Processo Penal. Atua prestando serviços de assessoria e consultoria jurídica a pessoas físicas e jurídicas em Direito Penal e Processo Penal.
Comments